Policial de Nova Aurora celebra nascimento após descobrir tumor raro na gestação


Em outubro de 2021, Cristiane de Souza Silva Mendes, de 34 anos, policial militar de Nova Aurora, cidade paranaense com pouco mais de 10 mil habitantes, sentiu um caroço no abdômen. Na mesma hora procurou um médico, que solicitou um ultrassom. Segundo o diagnóstico do médico, o exame mostrou que Cristiane estava com alto grau de fibras musculares. “Uma ruptura grande, provavelmente originada por conta de algum esforço grande que fiz, mas o médico disse que meu organismo iria absorver essa bolinha de sangue. Fiquei tranquila e continuei vivendo normalmente”, conta.

Seis meses depois, Cristiane, que é casada e mãe do Davi, com 3 anos e 4 meses, engravidou de Isaac, hoje com 5 meses. “No terceiro mês de gestação, comecei a sentir um desconforto maior e cheguei para o meu obstetra já apresentando esse diagnóstico”. O médico obstetra que acompanhava Cristiane, lhe disse que não tinha comportamento de rompimento muscular, e que aparentava ser um mioma, mas redobrou a atenção quanto ao caso e garantiu que iria acompanhar a situação.

Com o passar dos meses, esse suposto mioma duplicou de tamanho. Desconfiado e preocupado, o médico solicitou que Cristiane realizasse mais exames de ultrassom para acompanhar o problema, já que não era possível fazer exames mais específicos, como biópsia. “Começou uma preocupação comigo e com o bebê, porque esse caroço só crescia e começou a ocupar espaço empurrando o bebê contra a minha costela”, relata.

Cristiane conta que em um determinado momento, o caroço era tão grande e pesado que lhe causava muita dor no quadril, o que impedia, inclusive, de passar um tempo de qualidade com seu filho Davi. “Incomodava demais, porque além da questão física também tinha o emocional, a preocupação de que o Isaac nasceria bem de saúde, pois tinha a chance de ele nascer prematuro”, relembra.

Isaac nasceu de cesárea na 38ª semana de gestação e pesando 3.300kg. Até então, não se tinha certeza do que Cristiane tinha e havia esperança de retirar o caroço (ou suposto mioma) na cirurgia de cesárea. Porém, quando os médicos analisaram, chegaram à conclusão de que o problema era mais complicado. O carocinho já pesava mais de 5,6kg. “Na cesárea, os médicos coletaram o material e enviaram para a biópsia”, conta Cristiane.

A partir da primeira biópsia começou a tortura. Com o bebê pequeno e a barriga ainda enorme, como se ainda estivesse grávida, Cristiane conta que sentia muito medo, angústia e andava com a cabeça a mil. “Enfim veio a biópsia e mostrou que era um tumor desmoide, que é benigno, mas raríssimo, que atinge duas pessoas a cada um milhão”, conta.

Tumor desmoide

O tumor desmoide é benigno, mas extremamente agressivo no local em que surge, invadindo órgãos e/ou tecidos vizinhos. Em geral, o tumor desmoide não dá metástases, mas por ser agressivo pode trazer sérios problemas ao paciente ao longo do tempo, como degeneração dos órgãos ou musculatura próxima.

A médica cirurgiã oncológica do Hospital CEONC, doutora Tariane Foiato, acompanhou o caso de Cristiane e foi responsável pelas cirurgias realizadas.

“O local mais comum de acometimento do corpo é a parede abdominal. Esse tumor se origina do tecido conjuntivo e como tem esse crescimento progressivo, costuma causar deformidades e dor”, explica.

O surgimento do tumor desmoide ocorre geralmente na área de alguma cicatriz da parede abdominal e o período gestacional é um período onde os fatores da imunidade estão diminuídos . Hoje, sabe-se que ele também pode acometer qualquer localização da musculatura esquelética. “Ele tem como epidemiologia acometer mais mulheres que homens, sendo duas vezes mais comum nessa população. O período de pós-parto também é correlacionado”, garante Tariane.

Segundo a médica, há uma associação do surgimento da doença com uma síndrome chamada polipose adenomatosa familiar, que é uma doença genética associada a múltiplos pólipos intestinais e que quase todos os acometidos evoluem para câncer do intestino. “A faixa etária mais acometida é o adulto jovem, mas também atinge pessoas com idade entre 10 e 40 anos”, esclarece.

Reconstrução abdominal
Cristiane teve que passar por uma cirurgia de reconstrução abdominal após a retirada do tumor, que já pesava quase 8 quilos. Ela conta que a cirurgia foi bem complicada. “Dois dias antes da cirurgia de reconstrução, tive que fazer uma embolização, um procedimento que bloqueia as vias de alimentação do tumor para evitar hemorragia na hora da cirurgia. Ao todo, fiquei dez dias internada longe dos meus filhos”, conta.

Tariane conta que o caso foi realmente muito desafiador principalmente pela rápida evolução que teve durante o período gestacional, que envolve muitas mudanças no corpo da mulher que vão muito além do físico. “O tamanho também era outro ponto que impactou, pois havia uma estimativa do tumor pesar cerca de oito quilos. O bebê crescia ao lado e havia dúvidas quanto a origem da doença, o planejamento de como seria feita a reconstrução e como seria a qualidade de vida de Cristiane no pós-operatório”, relembra.

Apesar de o tumor ter um volume e um peso considerável, a cirurgia foi realizada minuciosamente e em várias etapas. Para Tariane, esse é um caso de sucesso, pois teve um desfecho muito satisfatório tanto do ponto de vista curativo como funcional. “A paciente evoluiu com excelente recuperação, não precisou ir para UTI, não precisou receber sangue e sentiu pouca dor no pós-operatório. A reconstrução da parede abdominal foi realizada com recursos tecnológicos, como uma tela especial e rotação de retalhos, que permitiu que a paciente tivesse uma reabilitação de quase normalidade. Além de tudo, conseguimos manter a amamentação e, no fim, acredito que todos ganharam. A tradução do sucesso foi o sorriso da família”, relata a médica.

Os cuidados pós-cirúrgicos exigiram que Cristiane evitasse levantar peso, o que incluía segurar Isaac recém-nascido, pois o músculo foi retirado e reconstruído com uma tela dupla. Hoje, mais de cinco meses após a cirurgia, ela afirma que está cada vez melhor. “Me sinto um pouco limitada em relação ao esforço e fiquei com uma cicatriz na barriga, mas isso não é nada perto da oportunidade que é estar junto dos meus filhos, aproveitar com eles. Principalmente ver o Isaac com saúde, sabendo que ele também estava sofrendo durante a gestação”, relata Cristiane.

Prevenção

A cirurgia de Cristiane foi um sucesso, mas é preciso alertar que, em alguns casos, há necessidade de tratamento complementar com radioterapia e independente do tratamento, podem surgir sequelas. “Na dependência de onde surgiu a doença, é possível ter sequelas funcionais principalmente relacionadas às funções motoras. Em outros casos, surgem formigamentos ou dormências, hérnias, sintomas gastrointestinais, deformidades estéticas, entre outros”, informa.

A doutora Tariane alerta também que o diagnóstico precoce é importante, assim, se a pessoa notar algo que não cicatrize por mais de 15 dias ou alguma tumoração crescendo, o ideal é procurar um médico para avaliar o que é e providenciar a investigação. “A maioria dos pacientes descobre a doença numa fase que é possível a remoção cirúrgica sem grandes comprometimentos funcionais”, finaliza.