Defendida com entusiasmo por Jair Bolsonaro (sem partido) mesmo sem eficácia comprovada até o momento, a hidroxicloroquina tornou-se, de fato, uma esperança da comunidade científica no combate ao coronavírus. Alheios à estratégia política do presidente, que minimiza a necessidade de isolamento social ao exaltar a substância, pesquisadores de várias localidades tentam avançar com os testes e obter resultados.
O principal estudo do país hoje conta com a participação de mais de mil voluntários infectados pelo covid-19 e é realizado por uma força-tarefa com 60 hospitais em todo o Brasil que fazem parte do Proadi-SUS, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde.
Entre as unidades que compõem o grupo, batizado “Aliança Covid-19 Brasil”, está o Albert Einstein, em São Paulo. Também participam universidades, secretarias de saúde dos estados e instituições de pesquisa científica.
Os resultados preliminares devem começar a surgir em um prazo de duas ou três semanas. Até lá, a hidroxicloroquina aumenta a expectativa das famílias de pessoas que se encontram em estado gravíssimo, a exemplo das que dependem de respiradores.
“O que define a gravidade é o grau de insuficiência respiratória. Ou seja, está muito relacionado com a quantidade de oxigênio que o paciente precisa. Se a pessoa está precisando de ventilação mecânica, por exemplo, trata-se de um quadro muito grave”, afirmou o chefe da pesquisa, o médico Roberto Amazonas.
Os voluntários foram divididos em dois núcleos. O primeiro reúne aproximadamente 400 pacientes em situação mais crítica, que aderiram por iniciativa própria ou pelo consentimento da família (casos de indivíduos que estão em coma, por exemplo). Para esse grupo, os médicos estão aplicando doses puras de hidroxicloroquina.
Já o segundo reúne mais de 600 pacientes com quadro clínico considerado moderado. Nesse caso, o medicamento que está sendo ministrado é uma junção da hidroxicloroquina e um antibiótico, a azitromicina, que tem o objetivo de proteger o indivíduo de possíveis inflamações bacterianas durante o ataque ao vírus.
Dentro do segundo grupo há um experimento placebo. São pacientes monitorados de forma a identificar, por meio de uma comparação com exames realizados antes da crise do coronavírus e o histórico hospitalar, se os resultados ocorrem em virtude do tratamento à base de hidroxicloroquina ou se corresponderiam a uma evolução natural de cada organismo.
Até o momento, apenas a “Aliança Covid-19 Brasil” foi credenciada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para realizar testes clínicos a partir do medicamento conhecido como sulfato de hidroxicloroquina. Há um outro estudo aprovado que tem utilizado a droga antiviral galidesivir.
Já a Fiocruz e a OMS (Organização Mundial de Saúde) se uniram em um consórcio internacional que tem buscado evidências relacionadas ao uso da hidroxicloroquina e outras substâncias, como combinações de remédios contra HIV, esclerose múltipla e ebola.
No total, somados os esforços da “Aliança Covid-19 Brasil” e de oito iniciativas baseadas em ensaios clínicos e metodologias distintas entre si, ao menos 5.000 pacientes infectados com o coronavírus estão sendo submetidos a testes com diferentes medicamentos no país. Os quadros variam de leve a grave.
Substância menos ‘tóxica’
Segundo o médico Roberto Amazonas, estudos realizados no Brasil e no exterior mostraram que a hidroxicloroquina é “menos tóxica” do que a substância originária, a cloroquina, também testada no enfrentamento ao coronavírus.
O médico afirma que, em razão disso, a cloroquina perdeu espaço e, hoje, as pesquisas em curso trabalhariam fundamentalmente com hidroxicloroquina. Apesar disso, há testes sendo realizados com a cloroquina. “Nenhuma droga no mercado conseguiu ganhar tanto espaço e protocolos ao redor do mundo como a hidroxicloroquina.”
A substância é amplamente utilizada no combate do lúpus, da malária e da artrite reumatoide. Apesar do otimismo, ainda não há comprovação nem no Brasil nem no exterior de que ela é eficaz contra a covid-19.
Um dos possíveis efeitos colaterais do medicamento é a arritmia cardíaca, segundo explica o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Denizar Vianna.
“O coração é uma bomba que depende da ativação de um sistema elétrico próprio. O remédio pode produzir um prolongamento de uma dessas fases elétricas do coração e propiciar um ambiente favorável a uma arritmia que pode ser potencialmente fatal”, disse.
Atualmente, existem no mercado brasileiro apenas três medicamentos feitos com hidroxicloroquina. O estudo realizado em parceria com o Albert Einstein utiliza o sulfato de hidroxicloroquina, produzido pelo laboratório EMS e que custa nas farmárcias entre R$ 40 e R$ 50. Amazonas é o diretor médico-científico da empresa.
Há também o Reuquinol, da Apsen, medicamento que foi exibido pelo presidente Jair Bolsonaro em reunião virtual com os líderes do G20, em 26 de março. O preço pode variar de R$ 70 a R$ 80. Já o Plaquinol, da Sanofi, tem um custo de R$ 90 a R$ 120 nas farmácias.
Atualização da bula, não um novo remédio
De acordo com os protocolos da Anvisa, se os resultados forem positivos na testagem da substância, a EMS poderá atualizar a bula do sulfato de hidroxicloroquina e inserir uma nova funcionalidade: o combate aos efeitos do coronavírus.
Isso quer dizer, portanto, que não será fabricado um novo medicamento ou registrada uma nova patente. Os avanços que forem constatados também poderão servir de base para que as outras duas fabricantes de remédios com hidroxicloroquina peçam à Anvisa a atualização da bula.
Azitromicina
A manipulação da hidroxicloroquina com azitromicina faz parte de uma estratégia dos pesquisadores para, além de neutralizar a ação do vírus, combater os efeitos provocados pela contaminação. Os principais sintomas da covid-19 são febre, tosse seca e dificuldade para respirar.
“A principal hipótese é: a hidroxicloroquina bloqueia a entrada do vírus nas células e, enquanto isso, a azitromicina protege de inflamações bacterianas que podem surgir no paciente. Também tem o caso, quando a situação do paciente começa a ficar grave, de resposta inflamatória na tentativa de o organismo se proteger do vírus. A azitromicina também pode ajudar a frear esse processo inflamatório”, explica Amazonas.
O médico esclareceu que a substância aliada atuaria como um “imunomodulador”. No entanto, essa proteção “a mais” só é possível nos casos de pacientes moderados. Os que estão em estado grave necessitam da aplicação de hidroxicloroquina pura para que o organismo tenha condição de responder mais rápido.
Prazo dos resultados
O protocolo da Anvisa que autorizou o início da pesquisa foi publicado em 27 de março. Devido ao curto espaço de tempo, Amazonas afirmou que ainda é cedo para mensurar resultados. “Estamos em uma fase de implementação. São 60 hospitais pelo Brasil distribuindo a medicação e treinando os profissionais de saúde. O trabalho já está mais adiantado em São Paulo.”
O médico afirmou que as primeiras amostras devem ser obtidas em hospitais da capital paulista, que concentram mais da metade dos voluntários. Para detectar se houve ou não avanço, são necessários exames em ao menos 250 pacientes, sendo 100 do grupo com pessoas em estado grave e 150 do núcleo moderado.
“Acreditamos que isso será possível entre 15 e 20 dias. Ou até um mês. Antes disso, não consigo ter uma resposta. A gente precisa de um número mínimo de pacientes para avaliar se ou tratamento funciona ou não.”
Fonte: Panorama Farmacêutica